sexta-feira, 8 de julho de 2011

Cadê a cordialidade?

Sabe aquela cordialidade do brasileiro, sociologicamente identificada pelo grande Sérgio Buarque de Hollanda e que ao longo dos anos nos fez ter orgulho de sermos uma nação tolerante, generosa, caracterizada como um povo alegre e hospitaleiro, pronto a receber e abraçar a todos?
Muita gente sempre achou que essa tal cordialidade era uma espécie de fachada, um marketing comportamental, digamos assim, e que de cordial o brasileiro não tem nada.
Mas sempre, nós, os talvez ingênuos que acreditam na beleza da vida, teimamos em insistir que, sim, é possível viver sem ódios, preconceitos, intolerâncias, com solidariedade no coração.
Mas é difícil, viu, continuar acreditando que todos nascem iguais perante Deus e perante a lei, porque tem cada espírito de porco solto por aí, que vou te contar...
O que dizer dos jovens bem nascidos que resolveram sair espancando outros jovens na principal avenida de São Paulo, por conta de supostas diferenças de orientação social? Apesar de todas as evidências de crime, foram soltos rapidinho, uma vez que brancos, de classe média; se fossem pobres e/ou pretos estavam jogados em alguma cela decrépita, esquecidos pela mesma Justiça que os liberou incontinenti, deixando-os por aí prontos para outras...
E o que dizer do soldado do Exército do Rio de Janeiro que atirou contra um rapaz depois da Parada Gay (um país que tem as maiores paradas gay do continente deveria ser tolerante, não?), porque o rapaz é "viado"? Foi isso que ele disse, segundo testemunha, chamou de viado, disse que o moço envergonhava a família dele, que merecia morrer e pimba, dá-lhe logo um tiro e pronto, resolvido o problema...
Seria uma onda de homofobia o que está ocorrendo?
Então, o que dizer do jovem de 25 anos, macho pra caramba, que quebrou os dois (os dois!) braços e seis dentes (seis!) de uma professora do Sul do país? O infeliz ficou inconformado porque tirou uma nota baixa e resolveu descarregar sua raiva sobre a educadora, de 57 anos, acabando com a pobre mulher. Na fuga, atingiu um porteiro e um segurança.
O que pensa uma criatura dessas? Pensa?
Ainda lá pelas bandas do Sul, outro exemplo de intolerância que nos envergonha e que humilha nosso povo e nossa suposta cordialidade.
Aqui a coisa é profissional: durante um programa de televisão numa afiliada da Rede Globo em Santa Catarina, o "jornalista" Luiz Carlos Prates, um senhor até que bem apessoado, não fosse a peruquinha meio ridícula, encontrou, segundo ele, a explicação para o número elevado de mortes nas estradas do Estado no último feriado. Olha o que ele disse: "Hoje, qualquer miserável tem um carro. O sujeito jamais lê um livro, mora apertado em uma gaiola que hoje chamam de apartamento. Não tem nenhuma qualidade de vida, mas tem um carro na garagem".
Disse mais: completamente irado, disse que esses que se envolvem em acidentes são uns desgraçados, que não se entendem com a mulher e saem por aí em alta velocidade descarregando suas frustrações.
Ainda bem que o cidadão foi devidamente execrado, sobretudo nas redes sociais, onde o vídeo com sua sandice "pobrefóbica" tem tido muita audiência. Veja aqui.
Bem, viado merece porrada e tiro, professora que não dá boa nota tem mais é que apanhar e perder os dentes e um pobre que ousa dirigir um carro de sua propriedade vai acabar morrendo em acidente mesmo...
É o meu Brasil brasileiro?
Luiz Caversan Luiz Caversan, 55 anos, é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros. Escreve aos sábados para a Folha.com.

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